A imposição de uma tarifa de 50% sobre a carne bovina brasileira pelos Estados Unidos já provoca impactos imediatos em Mato Grosso do Sul. Além de os frigoríficos terem suspendido os embarques para o mercado norte-americano, o preço da arroba do boi já caiu 4% no mercado físico sul-mato-grossense. Com isso, os estoques começaram a se acumular nas plantas industriais, e o próximo passo, caso o tarifaço persista, será a carne bovina mais barata ao consumidor final.
Dados da Granos Corretora apontam que o valor da arroba do boi gordo no mercado físico de Mato Grosso do Sul caiu quase R$ 13 nos últimos 20 dias. No dia 27 de junho, a cotação era de R$ 307,20 e, ontem, a arroba caiu para R$ 294,68.
O movimento de queda vem em sequência desde a intensificação da crise comercial com os Estados Unidos, após a Casa Branca anunciar o “tarifaço” de 50% sobre a importação da proteína brasileira, no dia 9.
Conforme adiantou o Correio do Estado na edição de ontem, a medida já provocou suspensão de abates destinados ao mercado norte-americano, redirecionamento de produção para o consumo interno e uma inevitável compressão de margens na cadeia produtiva.
O titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, explica que a taxação compromete a rentabilidade das indústrias exportadoras.
“Esse é um mercado exigente, um mercado de valor agregado elevado e que permite, obviamente, que a gente tenha margens adequadas. Consequência direta disso é uma compressão de margem e uma queda substancial das exportações”, alertou.
Com a suspensão dos envios pelos frigoríficos, os estoques dos produtos podem acabar no mercado interno.
“Tem carne disponível que não vai mais para os Estados Unidos. E, por outro lado, todas essas empresas alteram as suas escalas de produção, elas não abatem mais para os Estados Unidos”, detalhou Verruck.
A consequência imediata é uma redução no ritmo de abate e uma maior oferta interna.
“A outra consequência é a alocação desse produto no mercado interno. Então, nós teremos, como é um produto perecível, uma redução de preço ao consumidor e também uma redução de preço ao produtor em função da não alocação desse produto”, afirmou.
O economista Eduardo Matos alerta que o impacto vai além da pecuária e pode respingar na economia estadual como um todo.
“Com certeza, se persistir esse imbróglio comercial e político, principalmente, pode haver mais uma redução da arroba do boi, e isso pode culminar não somente no setor da carne, mas na economia de um modo geral. Isso porque Mato Grosso do Sul tem uma base muito forte na indústria frigorífica, e isso causa muitos efeitos na balança comercial do Estado”, avaliou.
Segundo ele, a arrecadação estadual também deve sentir o baque, ao menos no curto prazo.
“Se o Estado performa mal, se o comércio performa mal, a indústria performa mal, a economia como um todo pode sofrer as consequências. No entanto, não vejo isso como um impacto de longo prazo”, ponderou.
Ainda assim, Matos confirma que o consumidor deve ser beneficiado por esse momento.
“O consumidor final pode se deparar até mesmo com a carne mais barata, justamente para dar vazão ao produto que não é mais enviado, não tem mais a remessa para os Estados Unidos”.
NOVOS MERCADOS
O governo estadual, segundo Verruck, tem mantido contato com o governo federal para buscar alternativas à taxação e garantir ao menos a exportação dos estoques já produzidos.
“O que o governo do Estado tem conversado com o governo federal é uma solicitação de prorrogação dessa implantação da tarifa para que pelo menos esses estoques que nós temos, essa fixação de preço que nós já fizemos, pudessem ser ainda levados ao mercado americano”, explicou.
No entanto, conforme reportagem do Valor Econômico, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, afirmou que o governo brasileiro também pediu que o agronegócio participe das conversas com os Estados Unidos para reverter a taxação de 50% imposta por Donald Trump ao Brasil.
Após se reunir com 19 empresários do agro, em Brasília (DF), ele repetiu que o compromisso do governo é com o diálogo. Voltou a dizer que, embora o prazo seja exíguo (as tarifas entrarão em vigor em 1º de agosto), a intenção do governo não é de pedir prorrogação de prazo, mas resolver até o dia 31.
“Todos eles se comprometeram a participar e trabalhar com congêneres”, disse Alckmin aos jornalistas, ao pontuar que a questão é “urgente”.
Paralelamente, Mato Grosso do Sul já começa a buscar novos destinos para sua produção.
“Pensa-se hoje em mercado chileno, mercado egípcio, mas não é tão rápido a realocação de mercado, a busca desses mercados”, observou Verruck.
A reportagem adiantou na edição de ontem que, de acordo com fontes consultadas pela reportagem, o grupo JBS já está redefinindo a estratégia para o caso de a tarifa não ser derrubada e deve enviar 30% da produção para o Chile e outros 30% para um mercado ainda novo, o Egito, além de redistribuir o restante para o mercado interno e outros países do Mercosul.
O vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados do Estado de Mato Grosso do Sul (Sicadems), Alberto Sérgio Capuci, informou que todos os frigoríficos que enviam carne bovina aos EUA paralisaram as operações após o anúncio do presidente Trump.
“Todos os frigoríficos aqui, as plantas do JBS, do Minerva, do Naturafrig, algumas outras plantas que fazem exportações aos Estados Unidos, já de imediato suspenderam a produção. Agora vamos ter que realocar até coisa que já estava produzida, vai ter que retrabalhar, realocar para outros mercados e por enquanto fica suspensa, fica inviável trabalhar com essa tarifa”, informou.
Ainda de acordo com o representante dos frigoríficos, é incerta a estratégia de reacomodação neste momento.
“Então, vai ser realocada para outros mercados, mercado interno e outros mercados importadores, é certo que será redirecionada essa produção. Mas, por enquanto, realmente já está tudo parado”, concluiu.
No entanto, o Estado conta com uma vantagem estratégica: o novo status sanitário de livre de febre aftosa sem vacinação pode abrir novas portas comerciais.
“Isso é um fator extremamente positivo porque vários mercados que a gente não acessava até então podem ser acessados agora exatamente em função dessa restrição americana”, reforçou.
RETALIAÇÃO
O governo brasileiro, por sua vez, publicou recentemente a regulamentação do princípio da reciprocidade nas relações comerciais.
“O governo federal publicou, se eu não me engano, na data de hoje [ontem], a regulamentação da reciprocidade. Então, a partir de agora, o governo brasileiro também poderia taxar os produtos americanos que entram no Brasil”, disse Verruck.
Por enquanto, no entanto, não há intenção de retaliar imediatamente. “A intenção do governo é de não adotar no curto prazo, nós não achamos também que essa é a solução, mas eu acho que é mais um elemento para colocar na mesa com os americanos para fazer toda a discussão do seu ponto de vista tarifário”, afirmou o secretário.
A depender da velocidade com que o Brasil consegue redirecionar sua produção e negociar com os Estados Unidos, os efeitos podem ser amenizados. No entanto, como advertiu o economista Eduardo Matos, o impacto não deve ser subestimado.
“No curto prazo, logicamente, haverá efeitos negativos. Mas, no entanto, no médio e no longo prazo, eu vejo como uma normalização do comércio internacional, até mesmo porque essa questão não é favorável nem mesmo para os Estados Unidos, tampouco para o Brasil”, finaliza.