A falta de planejamento urbano, a ausência de infraestrutura adequada e o descaso com as leis municipais foram os principais pontos abordados pela professora Maria Lúcia Torrecilha, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), durante oitiva da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Público, realizada nesta quarta-feira (2), na Câmara Municipal de Campo Grande. Com vasta experiência na área de urbanismo e planejamento, a especialista afirmou de forma contundente: “Campo Grande não foi projetada para o transporte coletivo”.
Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP) e com estudos na Universidade Sorbonne, em Paris, Maria Lúcia atuou como servidora pública municipal entre 1982 e 2010.
Durante sua participação na CPI, ela apresentou um diagnóstico crítico da mobilidade urbana na Capital, destacando que o atual cenário é consequência direta da negligência com o planejamento urbano e com a legislação já existente.
“Na questão do transporte, faltou planejamento, faltou estrutura e plano de circulação. Por isso chegou no estado que está”, afirmou.
A professora ressaltou que os problemas estruturais começam pela falta de um sistema de drenagem eficiente. Segundo ela, as constantes correções no asfalto, especialmente em períodos chuvosos, são paliativas e não resolvem o problema de base.
“Não adianta corrigir o asfalto se não construir uma rede de drenagem. Essas falhas comprometem o sistema viário e aumentam o custo de manutenção do transporte coletivo, como o desgaste dos pneus”, disse.
Ela também criticou a inadequação das vias por onde circulam os ônibus, observando que muitas delas não seguem os parâmetros mínimos previstos na Lei de Uso e Ocupação do Solo e no Código Nacional de Trânsito. “O sistema viário deveria contemplar calçadas acessíveis, faixas apropriadas para ônibus e circulação segura para pedestres. Mas a cidade privilegia o carro particular”, enfatizou.
Outro ponto levantado foi a precariedade das calçadas, principalmente fora da região central. “O pedestre é o mais prejudicado. Rampas com inclinação errada, calçadas sem continuidade e ausência de rebaixamento dificultam ou impedem a locomoção de pessoas com deficiência. E antes mesmo de pegar o ônibus, o cidadão já enfrenta um cenário de exclusão”, alertou.
Os pontos de ônibus, em sua maioria reduzidos a simples postes, também foram alvo de crítica. “Eles precisam oferecer abrigo, assento, acessibilidade para cadeirantes e, em alguns casos, até espaço para bicicletas. A estrutura atual é um desrespeito ao usuário”, afirmou Maria Lúcia.
Para ela, o transporte coletivo é apenas a ponta do iceberg. A raiz dos problemas está na ausência de um planejamento urbano integrado e na não aplicação das leis existentes. “Temos leis municipais que definem o que é necessário, mas elas não são respeitadas. E quando o fiscal vai autuar, muitas vezes não há respaldo legal claro para isso. Falta vontade política”, apontou.
A professora encerrou sua fala com um alerta sobre o rumo da capital. “Estamos virando uma cidade mercadológica, sem se importar com quem mora nela. E o transporte coletivo, que deveria garantir o direito à cidade para todos, está à deriva”, concluiu.
A CPI do Transporte Público segue com oitivas nas próximas semanas, ouvindo especialistas e representantes do setor para traçar um diagnóstico completo do sistema e propor soluções que atendam, de fato, à população.